A dieta do pensamento

Pensar magro significa, basicamente, reprogramar seu cérebro para que ele passe a dominar a fome ou a simples gulodice. Reprogramar o cérebro requer enfrentar frituras, salgadinhos, doces e refrigerantes sem subterfúgios. Nada de tentar cancelar-lhes a existência, porque, afinal de contas, o mundo não é um spa. A resistência mental definitiva é o que prega a terapia cognitivo-comportamental (TCC), hoje considerada o tratamento de primeira linha contra o excesso de peso. Segundo relata Judith Beck, autora do livro Pense Magro – A Dieta Definitiva de Beck, quanto mais resistirmos aos desejos de comida, menos frequentes eles se tornarão.

O objectivo da TCC é, por meio da combinação de confronto e resistência, "desligar" os comandos cerebrais que accionam os pensamentos distorcidos – no caso, aqueles que levam as pessoas a empanturrar-se. De fato, na maioria das vezes, as pessoas que pensam gordo o fazem por causa de uma associação meramente subjectiva entre comida e determinados sentimentos. Há as que comem porque estão felizes e as que comem porque estão infelizes (ou ambos). A chave é desconectar apetite e situação. O programa proposto por Judith Beck estabelece seis semanas – mais precisamente 42 dias – de exercícios práticos para desprogramar o cérebro da vontade injustificável de comer. Judith ensina a fazer como os magros – que só pensam em comida no horário da refeição.

Judith é filha do psiquiatra Aaron Beck, fundador, nos anos 60, da terapia cognitivo-comportamental. Na visão dos adeptos desse método, grande parte dos distúrbios psíquicos, como a depressão, a ansiedade e as fobias, deve-se a interpretações errôneas do mundo concreto. Assim, o substrato da TCC é a exposição da pessoa à realidade que a afeta, de modo a levá-la a reagir proporcionalmente a ela. Em geral, o prazo é de vinte sessões. No tratamento de fobias, por exemplo, confronta-se o paciente com o objeto de seu medo exagerado. Se a fobia é de cachorro, o fóbico "desaprende" a temer o animal entrando em contato direto com ele. Judith sugere que o compulsivo por comida a enfrente como quem se expõe ao pavor por cachorro. As bases da terapia cognitivo-comportamental, cujas taxas de sucesso são bastante altas, remontam às teorias do médico russo Ivan Pavlov (1849-1936) e às do psicólogo americano Burrhus Frederic Skinner (1904-1990), precursores do behaviorismo. Pavlov formulou a tese do reflexo condicionado, segundo a qual a repetição constante de um estímulo "ensina" o sistema nervoso a responder invariavelmente da mesma forma. Sua teoria foi elaborada a partir de estudos com cães que eram alimentados depois que ele tocava um sino. Com o tempo, Pavlov constatou que bastava tocar o sino para que os animais salivassem. Skinner, por sua vez, chegou ao conceito de condicionamento operante, por meio de experiências com ratos de laboratório. Quando os roedores apertavam um botão, uma portinhola com comida se abria. Os ratos, por fim, aprenderam que, para comer, era preciso pressionar o botão. A diferença entre o reflexo condicionado de Pavlov e o condicionamento operante de Skinner é que o primeiro é uma resposta a um estímulo puramente externo (o sino toca, o cachorro saliva), ao passo que o segundo é o hábito produzido por uma ação estranha à natureza do animal (o rato que aperta botão para comer). Na terapia cognitivo-comportamental, para simplificar, o sino e a portinhola seriam os estímulos (ou desestímulos) que contrariam a tendência doentia – sejam eles o confronto calculado do fóbico com o objeto do medo ou o auto-elogio de quem resiste a uma refeição gordurosa.

Por ser um programa de treino psicológico, o livro Pense Magro é um manual sobre dieta sem nenhuma receita alimentar. Sua autora não recomenda nem condena nenhum alimento. Ela preconiza que, com uma programação mental adequada, qualquer dieta razoável dá certo – permanentemente. A psicóloga começou a utilizar o método para o controle de peso há vinte anos, em pacientes psiquiátricos que engordavam por causa dos efeitos colaterais de medicamentos. Embora a ansiedade integre a personalidade de quase todos os gulosos, a terapia cognitivo-comportamental, ao contrário da psicanálise, não sai em busca dos motivos que levam uma pessoa a afogar as mágoas numa travessa de esparguete. Simplesmente ensina como anular os pensamentos engordativos.

Judith mantém há dez anos o mesmo peso – 52,5 quilos distribuídos em 1,61 metro – graças, ela jura, à terapia cognitivo-comportamental. Ex-cheinha (pesava 8 quilos a mais), agora pensa magro. E reafirma que ninguém se mantém enxuto sem algum sacrifício dietético.

Driblar a compulsão por comida é tarefa das mais difíceis. Para se ter uma ideia do seu grau de complexidade, a linha mais recente de pesquisas sobre os mecanismos da obesidade a compara ao vício, por envolver o sistema cerebral de recompensa. Em obesos, o metabolismo cerebral é muito semelhante ao dos viciados em drogas", diz Ivan de Araújo, neurofisiologista e pesquisador da Escola de Medicina da Universidade Yale, nos Estados Unidos. No cérebro dos gordos, por uma deficiência na atividade do neurotransmissor dopamina, o grau de recompensa gerado pela ingestão de alimentos é menor que no dos magros. Para se sentirem satisfeitos, portanto, eles precisam comer mais. É provável que novos estudos mostrem que o recondicionamento para pensar magro transforma a química cerebral.

Não há nada de mágico. Pensar magro demanda empenho e disciplina. Envolve cultivar melhor as emoções e adquirir novos comportamentos. A perda de peso não é da noite para o dia. Em situações mais difíceis, para prevenir as recaídas, seguir o manual não é suficiente. Torna-se necessário recorrer a um especialista.

 

Fonte: Revista Veja Edição 2082; 15 de Outubro de 2008

 


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